quinta-feira, 21 de junho de 2012

Valores incorporados

          O livro A Reprodução (1970), escrito em parceria com Jean-Claude Passeron, analisou o funcionamento do sistema escolar francês e concluiu que, em vez de ter uma função transformadora, ele reproduz e reforça as desigualdades sociais. Quando a criança começa sua aprendizagem formal, segundo os autores, é recebida num ambiente marcado pelo caráter de classe, desde a organização pedagógica até o modo como prepara o futuro dos alunos. 
          Outro conceito utilizado por Bourdieu é o de campo, para designar nichos da atividade humana nos quais se desenrolam lutas pela detenção do poder simbólico, que produz e confirma significados. Esses conflitos consagram valores que se tornam aceitáveis pelo senso comum. No campo da arte, a luta simbólica decide o que é erudito ou popular, de bom ou de mau gosto. Dos elementos vitoriosos, formam-se o habitus e o código de aceitação social. 
          Para Bourdieu, a escola é um espaço de reprodução de estruturas sociais e de transferência de capitais de uma geração para outra. É nela que o legado econômico da família transforma-se em capital cultural. E este, segundo o sociólogo, está diretamente relacionado ao desempenho dos alunos na sala de aula. Eles tendem a ser julgados pela quantidade e pela qualidade do conhecimento que já trazem de casa, além de várias “heranças”, como a postura corporal e a habilidade de falar em público.
           Uma mostra dos mecanismos de perpetuação da desigualdade está no fato, facilmente verificável, de que a frustração com o fracasso escolar leva muitos alunos e suas famílias a investir menos esforços no aprendizado formal, desenhando um círculo que se auto-alimenta. Nos primeiros livros que escreveu, Bourdieu previa a possibilidade de superar essa situação se as escolas deixassem de supor a bagagem cultural que os alunos trazem de casa e partissem do zero. Mas, com o passar do tempo, o pessimismo foi crescendo na obra do sociólogo: a competição escolar passou a ser vista como incontornável.

Referência bibliográfica:
Acesso em: 22/06/12

Influências de Bourdieu para a educação

por Márcio Ferrari



          O sociólogo francês detectou mecanismos de conservação e reprodução em todas as áreas da atividade humana, entre elas o sistema educacional






          Embora a maioria dos grandes pensadores da educação tenha desenvolvido suas teorias com base numa visão crítica da escola, somente na segunda metade do século 20 surgiram questionamentos bem fundamentados sobre a neutralidade da instituição. Até ali a instrução era vista como um meio de elevação cultural mais ou menos à parte das tensões sociais. O francês Pierre Bourdieu empreendeu uma investigação sociológica do conhecimento que detectou um jogo de dominação e reprodução de valores.           Suas pesquisas exerceram forte influência nos ambientes pedagógicos nas décadas de 1970 e 1980. “Desde então, as teorias de reprodução foram criticadas por exagerar a visão pessimista sobre a escola”, diz Cláudio Martins Nogueira, professor da Universidade Federal de Minas Gerais. “Vários autores passaram a mostrar que nem sempre as desigualdades sociais se reproduzem completamente na sala de aula.” Na essência, contudo, as conclusões de Bourdieu não foram contestadas. 


Referência bibliográfica:
Acessado em 22/06/12

Contribuições de Bourdieu para a educação

A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO DE PIERRE BOURDIEU: LIMITES E CONTRIBUIÇÕES
por Cláudio Marques Martins Nogueira e Maria Alice Nogueira 


RESUMO
O artigo destaca as contribuições e aponta alguns limites da Sociologia da Educação de Pierre Bourdieu. Na primeira parte, são analisadas as reflexões do autor sobre a relação entre herança familiar (sobretudo, cultural) e desempenho escolar. Na segunda parte, são discutidas suas teses sobre o papel da escola na reprodução e legitimação das desigualdades sociais.

Introdução


       É difícil fazer um balanço equilibrado das contribuições e dos limites da obra de Bourdieu no campo da Sociologia da Educação.
      Bourdieu teve o mérito de formular, a partir dos anos 60, uma resposta original, abrangente e bem fundamentada, teórica e empiricamente, para o problema das desigualdades escolares. Essa resposta
tornou-se um marco na história, não apenas da Sociologia da Educação, mas do pensamento e da prática educacional em todo o mundo. Supunha-se que por meio da escola pública e gratuita seria resolvido o problema do acesso à educação e, assim, garantida, em princípio, a igualdade de oportunidades entre todos os cidadãos. Os indivíduos competiriam dentro do sistema de ensino, em condições iguais, e aqueles que se destacassem por seus dons individuais seriam levados, por uma questão de justiça, a avançar em suas carreiras escolares e, posteriormente, a ocupar as posições superiores na hierarquia social. A escola seria, nessa perspectiva, uma instituição neutra, que difundiria um conhecimento racional e objetivo e que selecionaria seus alunos com base em critérios racionais.
      O que ocorre nos anos 60 é uma crise profunda dessa concepção de escola e uma reinterpretação radical do papel dos sistemas de ensino na sociedade. Abandona-se o otimismo das décadas anteriores em favor de uma postura bem mais pessimista.
      O que Bourdieu propõe nos anos 60, diante desse acúmulo de “anomalias” do paradigma funcionalista é uma verdadeira revolução científica. Bourdieu oferece-nos um novo modo de interpretação da escola e da educação que, pelo menos num primeiro momento, pareceu ser capaz de explicar tudo o que a perspectiva anterior não conseguia.
      A frustração dos jovens das camadas médias e populares diante das falsas promessas do sistema de ensino converte-se em uma evidência a mais que corrobora as novas teses propostas por Bourdieu. Onde se via igualdade de oportunidades, meritocracia, justiça social, Bourdieu passa a ver reprodução e legitimação das desigualdades sociais. A educação, na teoria de Bourdieu, perde o papel que lhe fora atribuído de instância transformadora e democratizadora das sociedades e passa a ser vista como uma das principais instituições por meio da qual se mantêm e se legitimam os privilégios sociais. Trata-se, portanto, de uma inversão total de perspectiva.
      No livro “A reprodução” (1992, p. 11) Bourdieu afirma que em vários capítulos apontam para um mesmo principio de inteligibilidade: o “das relações entre o sistema de ensino e a estrutura das relações entre as classes”. A escola e o trabalho pedagógico por ela desenvolvido só poderiam ser compreendidos, na perspectiva de Bourdieu, quando relacionados ao sistema das relações entre as classes.
      Os valores que orientariam cada grupo em suas atitudes e comportamentos seriam, por definição, arbitrários, não esta
riam fundamentados em nenhuma razão objetiva, universal. Apesar de arbitrários, esses valores – ou seja, a cultura de cada grupo – seriam vividos como os únicos possíveis ou, pelo menos, como os únicos legítimos. Para Bourdieu, o mesmo ocorreria no caso da escola. A cultura consagrada e transmitida pela escola não seria objetivamente superior a nenhuma outra. O valor que lhe é concedido seria arbitrário, não estaria fundamentado em nenhuma verdade objetiva, inquestionável. Apesar de arbitrária, a cultura escolar seria socialmente reconhecida como a cultura legítima, como a única universalmente válida.
      Para Bourdieu, portanto, a cultura escolar, socialmente legitimada, seria, basicamente, a cultura imposta como legítima pelas classes dominantes. Bourdieu compreende a relação de comunicação pedagógica (o ensino) como uma relação formalmente igualitária, que reproduz e legitima, no entanto, desigualdades anteriores. A rentabilidade de uma relação de comunicação pedagógica, ou seja, o grau em que ela é compreendida e assimilada pelos alunos, dependeria do grau em que os alunos dominam o código necessário à decifração dessa comunicação. A reprodução e legitimação das desigualdades sociais propiciada pela escola não resultariam apenas, no entanto, da falta de uma bagagem cultural apropriada para a recepção da mensagem escolar.       Bourdieu procura demonstrar que a escola valoriza e cobra não apenas o domínio de um conjunto de referências culturais e lingüísticas, mas, também, um modo específico de se relacionar com a cultura e o saber.


Considerações finais

      A grande contribuição da Sociologia da Educação de Pierre Bourdieu foi, sem dúvida, a de ter fornecido as bases para um rompimento frontal com a ideologia do dom e com a noção moralmente carregada de mérito pessoal. A partir de Bourdieu, tornou-se praticamente impossível analisar as desigualdades escolares, simplesmente, como frutos das diferenças naturais entre os indivíduos.
      As limitações dessa abordagem, no entanto, se revelam sempre que se busca a compreensão de casos particulares (famílias, indivíduos, escolas e professores concretos). Bourdieu nos forneceu um importante quadro macrossociológico de análise das relações entre o sistema de ensino e a estrutura social. Esse quadro precisa, no entanto, ser completado e aperfeiçoado por analises mais detalhadas. Faz-se necessário, em especial, um estudo mais minucioso dos processos concretos de constituição e utilização do habitusfamiliar, bem como uma análise mais fina das diferenças sociais entre famílias e contextos de escolarização.


Acessado em: 22/06/12

Frases de Pierre Bourdieu


 “Não há democracia efetiva sem um verdadeiro poder crítico”;
“Nada é mais adequado que o exame para inspirar o reconhecimento dos vereditos escolares e das hierarquias sociais que eles legitimam”.

Obras de Bourdieu


OBRAS:
.Sociologie de l'Algérie. Paris, P.U.F., 1958, 2e éd., 1961.
.Travail et travailleurs en Algérie. Paris-La Haye, Mouton, 1963 (avec A. Darbel, J.-P. Rivet, C. Seibel).
· Le déracinement, Ia crise de l'agriculture traditionnelle en Algérie. Paris, Éd. de Minuit, 1964 (avec A. Sayad).
· Les héritiers, les étudiants et la culture. Paris, Éd. de Minuit, 1964, nouv. éd. augm., 1966 (avec J.-C. Passeron).
· Un art rnoyen, essai sur les usages sociaux de la photographie. Paris, Éd. de Minuit, 1965, nouv. éd. revue, 1970 (avec L. Boltanski, R. Castel, J.-C. Chamboredon).
. Rapport pédagogique et communication. Paris-La Haye, Mouton, Cahiers du Centre de Sociologie Européenne, 2, 1965 (avec J.-C. Passeron, M. de Saint-Martin).
· L'amour de l'art, les musées d'art européens et leur public. Paris, Éd. de Minuit, 1966, nouv. éd. augm., 1969 (avec A. Darbel, D. Schnapper).
· Le métier de sociologue. Paris, Mouton-Bordas, 1968 (avec J.-C. Chamboredon, J.-C.
Passeron).
· La reproduction. Éléments pour une théorie du système d'enseignement. Paris, Éd. de Minuit, 1970 (avec J. -C. Passeron). (Trad. Portuguesa: A Reprodução. Vega, 1983)
· Esquisse d'une théorie de Ia pratique, précédé de trois études d'ethnologie kabyle. Genève, Droz, 1972.
· Algérie 60, structures économiques et structures temporelles. Paris, Éd. de Minuit, 1977.
· La distinction, Critique sociale du jugement. Paris, Éd: de Minuit, 1979.
· Le sens pratique. Paris, Éd. de Minuit, 1980
· Questions de sociologie. Paris, Éd. de Minuit, 1980.
· Ce que parler veut dire. L'économie des échanges linguistiques. Paris, Fayard, 1982. (Trad. Portuguesa: O Que Falar Quer Dizer. Difel, 1998 )
· Homo academicus. Paris, Éd. de Minuit, 1984.
· Choses dites. Paris, Éd. de Minuit, 1987.
· L 'ontologie politique de Martin Heidegger. Paris, Éd. de Minuit, 1988.
· La noblesse d'État. Grandes écoles et esprit de corps. Paris, Éd. de Minuit, 1989.
· Langage et Pouvoir Simbolique. Paris, Éd. du Seuil, 1989. (Trad. Portuguesa: O Poder Simbólico. Difel, 1989.)
· Réponses. Pour une anthropologie réflexive. Paris, Éd. du Seuil, 1992.
· Les règles de l'art. Genèse et structure du champ littéraire. Paris, Éd. du Seuil, 1992. (Trad. Portuguesa: Regras da Arte. Editorial Presença, 1996 )
· La misère du monde. Paris, Éd. du Seuil, 1993.
· Libre-échange. Paris, Éd. du Seuil, 1994
· Raisons pratiques. Sur Ia théorie de l'action, Paris, Éd. du Seuil, 1994. (Trad. Portuguesa: Razões Práticas. Celta, 1997.)
· Sur Ia télévision. Paris, Liber Éditions, 1997. (Trad. Portuguesa: Sobre a Televisão. Celta, 1997)
· Méditations pascaliennes. Paris, Éd. du Seuil, 1997. (Trad. Portuguesa: Meditações
Pascalianas. Celta, 1998 )
· Les usages sociaux de Ia science. Paris, INRA, 1997.
· Contre-feux. Paris, Éd. Liber Raisons d'agir, 1998. (Trad. Portuguesa: Contrafogos. Celta, 1998 )
· La domination masculine. Paris, Éd. du Seuil, 1998. (Trad. Portuguesa: A Dominação
Masculina. Celta, 1999.)
· Les structures sociales de l'économie. Paris, Seuil, 2000.
· Propos sur le champ politique. Paris, PUF, 2000.
· Contre-Feux 2. Pour un mouvement social européen". Paris, Raisons d' Agir, 2001. (Trad. Portuguesa: Contrafogos II. Celta,2001)
. "Science de la science et réflexivité" (2002)

Acesso em: 22/06/12