quinta-feira, 21 de junho de 2012

Contribuições de Bourdieu para a educação

A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO DE PIERRE BOURDIEU: LIMITES E CONTRIBUIÇÕES
por Cláudio Marques Martins Nogueira e Maria Alice Nogueira 


RESUMO
O artigo destaca as contribuições e aponta alguns limites da Sociologia da Educação de Pierre Bourdieu. Na primeira parte, são analisadas as reflexões do autor sobre a relação entre herança familiar (sobretudo, cultural) e desempenho escolar. Na segunda parte, são discutidas suas teses sobre o papel da escola na reprodução e legitimação das desigualdades sociais.

Introdução


       É difícil fazer um balanço equilibrado das contribuições e dos limites da obra de Bourdieu no campo da Sociologia da Educação.
      Bourdieu teve o mérito de formular, a partir dos anos 60, uma resposta original, abrangente e bem fundamentada, teórica e empiricamente, para o problema das desigualdades escolares. Essa resposta
tornou-se um marco na história, não apenas da Sociologia da Educação, mas do pensamento e da prática educacional em todo o mundo. Supunha-se que por meio da escola pública e gratuita seria resolvido o problema do acesso à educação e, assim, garantida, em princípio, a igualdade de oportunidades entre todos os cidadãos. Os indivíduos competiriam dentro do sistema de ensino, em condições iguais, e aqueles que se destacassem por seus dons individuais seriam levados, por uma questão de justiça, a avançar em suas carreiras escolares e, posteriormente, a ocupar as posições superiores na hierarquia social. A escola seria, nessa perspectiva, uma instituição neutra, que difundiria um conhecimento racional e objetivo e que selecionaria seus alunos com base em critérios racionais.
      O que ocorre nos anos 60 é uma crise profunda dessa concepção de escola e uma reinterpretação radical do papel dos sistemas de ensino na sociedade. Abandona-se o otimismo das décadas anteriores em favor de uma postura bem mais pessimista.
      O que Bourdieu propõe nos anos 60, diante desse acúmulo de “anomalias” do paradigma funcionalista é uma verdadeira revolução científica. Bourdieu oferece-nos um novo modo de interpretação da escola e da educação que, pelo menos num primeiro momento, pareceu ser capaz de explicar tudo o que a perspectiva anterior não conseguia.
      A frustração dos jovens das camadas médias e populares diante das falsas promessas do sistema de ensino converte-se em uma evidência a mais que corrobora as novas teses propostas por Bourdieu. Onde se via igualdade de oportunidades, meritocracia, justiça social, Bourdieu passa a ver reprodução e legitimação das desigualdades sociais. A educação, na teoria de Bourdieu, perde o papel que lhe fora atribuído de instância transformadora e democratizadora das sociedades e passa a ser vista como uma das principais instituições por meio da qual se mantêm e se legitimam os privilégios sociais. Trata-se, portanto, de uma inversão total de perspectiva.
      No livro “A reprodução” (1992, p. 11) Bourdieu afirma que em vários capítulos apontam para um mesmo principio de inteligibilidade: o “das relações entre o sistema de ensino e a estrutura das relações entre as classes”. A escola e o trabalho pedagógico por ela desenvolvido só poderiam ser compreendidos, na perspectiva de Bourdieu, quando relacionados ao sistema das relações entre as classes.
      Os valores que orientariam cada grupo em suas atitudes e comportamentos seriam, por definição, arbitrários, não esta
riam fundamentados em nenhuma razão objetiva, universal. Apesar de arbitrários, esses valores – ou seja, a cultura de cada grupo – seriam vividos como os únicos possíveis ou, pelo menos, como os únicos legítimos. Para Bourdieu, o mesmo ocorreria no caso da escola. A cultura consagrada e transmitida pela escola não seria objetivamente superior a nenhuma outra. O valor que lhe é concedido seria arbitrário, não estaria fundamentado em nenhuma verdade objetiva, inquestionável. Apesar de arbitrária, a cultura escolar seria socialmente reconhecida como a cultura legítima, como a única universalmente válida.
      Para Bourdieu, portanto, a cultura escolar, socialmente legitimada, seria, basicamente, a cultura imposta como legítima pelas classes dominantes. Bourdieu compreende a relação de comunicação pedagógica (o ensino) como uma relação formalmente igualitária, que reproduz e legitima, no entanto, desigualdades anteriores. A rentabilidade de uma relação de comunicação pedagógica, ou seja, o grau em que ela é compreendida e assimilada pelos alunos, dependeria do grau em que os alunos dominam o código necessário à decifração dessa comunicação. A reprodução e legitimação das desigualdades sociais propiciada pela escola não resultariam apenas, no entanto, da falta de uma bagagem cultural apropriada para a recepção da mensagem escolar.       Bourdieu procura demonstrar que a escola valoriza e cobra não apenas o domínio de um conjunto de referências culturais e lingüísticas, mas, também, um modo específico de se relacionar com a cultura e o saber.


Considerações finais

      A grande contribuição da Sociologia da Educação de Pierre Bourdieu foi, sem dúvida, a de ter fornecido as bases para um rompimento frontal com a ideologia do dom e com a noção moralmente carregada de mérito pessoal. A partir de Bourdieu, tornou-se praticamente impossível analisar as desigualdades escolares, simplesmente, como frutos das diferenças naturais entre os indivíduos.
      As limitações dessa abordagem, no entanto, se revelam sempre que se busca a compreensão de casos particulares (famílias, indivíduos, escolas e professores concretos). Bourdieu nos forneceu um importante quadro macrossociológico de análise das relações entre o sistema de ensino e a estrutura social. Esse quadro precisa, no entanto, ser completado e aperfeiçoado por analises mais detalhadas. Faz-se necessário, em especial, um estudo mais minucioso dos processos concretos de constituição e utilização do habitusfamiliar, bem como uma análise mais fina das diferenças sociais entre famílias e contextos de escolarização.


Acessado em: 22/06/12

Nenhum comentário:

Postar um comentário